Os nossos irmãos Bailundos
por Alfredo Baeta Garcia
Uma das vitimas esquecidas ou ignoradas da guerra em Angola, antes e logo após a independência, como se nunca tivesse existido, foram os largos milhares de trabalhadores contratados provenientes do planalto central, conhecidos por bailundos, qualquer que fosse a sua origem do centro e sul de Angola. Eles constituíam, então, a totalidade da mão de obra não especializada das fazendas de café a norte do Cuanza e foram abandonados pela força das circunstâncias, por aqueles que já não tinham qualquer capacidade para os proteger, os seus patrões. Destes, os que lá ficaram até pouco antes da independência, pode dizer-se que estavam na mesma situação, menos na possibilidade de se irem escapando de avião para Luanda e daí para Lisboa.
Os Bailundos não podiam fazê-lo, apesar de estarem mais perto das suas terras de origem, pois todas as vias de comunicação que levavam para Sul até ao Cuanza ficaram cortadas a partir dos primeiros meses de 1975.
Os europeus e alguns seus acompanhantes que teimaram em ficar, tiveram mais tarde de fugir rumo a Kinshasa, única saída com os caminhos ainda abertos, mas pouco seguros, e que também não servia os Bailundos por os afastar mais das suas origens, correndo os mesmos riscos dos caminhos do Sul. Assim, o último destes grupos que saiu do Quitexe com aquele destino só o conseguiu alcançar fazendo a pé as últimas etapas, pois as viaturas em que seguiam foram ficando pelo caminho avariadas, nenhuma chegando ao seu destino.
Os pobres Bailundos, agora ex-contratados, lá ficaram entregues à sua sorte, não se sabendo exactamente como terminaram. Alguns, que tentaram fazer a viagem de regresso a pé, foram quase sempre apanhados pelos Movimentos que cedo passaram a guerrear-se, transformando-os, depois, em seus carregadores, o menos que lhes podia acontecer.
Se bem que todos tenham sofrido os horrores da guerra, estes segregados no seu país, por força das diferenças étnicas, vivendo, por essa razão num ambiente que lhes era hostil, agravado por nunca terem apoiado qualquer um dos dois movimentos implantados na região a que eram completamente estranhos e, ainda menos, se terem envolvido nas lutas sangrentas que travaram entre si, estes sofreram por razões que lhe eram alheias.
Para compreender esta situação é necessário ter em consideração a base de formação dos Movimentos de Libertação que funcionavam cada um à volta de determinada etnia, não sendo por isso, nenhum deles de âmbito nacional, nem podiam sê-lo, dada a constituição fragmentada da população, como se viu depois.
Por esse seu comportamento, já nos momentos de aflição de 1961, quando era fácil trair-nos e nunca o fizeram, foram, também eles, vítimas fáceis da ira assassina da UPA. Por isso, durante os dois primeiros anos, que foram os mais difíceis de toda a guerra, passaram a chamar-lhes no único jornal que então se publicava no Uíge, o Jornal do Congo, “Os nossos irmãos Bailundos”.
Os Brancos e os Bailundos, como não faziam parte de grupos étnicos autócnes do local onde vivíam, foram irresponsavelmente esquecidos, abandonados, enxovalhados e espoliados, vítimas da descolonização. Só que, dos Bailundos, parece que intencionalmente encalhados nos recessos escusos da indiferença, nada reza a seu respeito a história já feita. É pena, pois ficará para sempre desconhecido um dos factores mais importante dessa guerra, especialmente no Norte de Angola, região onde os seus efeitos foram mais perversos. Pode dizer-se, sem exagerar, que os Bailundos representaram numa altura critica um papel decisivo, a par de outros factores, na estabilização que se conseguiu nos anos seguintes a 61, o que representa uma injustiça e adulteração da nossa história desse período em Angola.
Como os Movimentos de Libertação, pela voz dos seus responsáveis chamavam e ainda chamam traidores e vendidos uns aos outros, é possível que os Bailundos não escapem a uma qualquer categoria neste tipo de classificações.
Este período da história de Angola quando for estudado com isenção , já liberto pelo tempo das paixões sectárias e do poder, estará em condições de dizer os que se venderam, a quem e como foram pagos. Hoje já é possível adiantar alguns factos incontroversos desse mercado.
Actualmente são muito poucas as testemunhas válidas que passaram efectivamente a guerra nas zonas do café no Norte de Angola, que possam estar em condições de avaliar este facto na sua real dimensão. Os outros, quase todos já emigraram para onde não se pode voltar a ser retornado, deixando um vazio na nossa memória colectiva.
O estabelecimento permanente dos portugueses nesta área está exclusivamente ligado à produção e comercialização do café, sendo a região do Quitexe, aqui referida, aquela que corresponde aproximadamente ao antigo Encoge e tem como centro a povoação de Quitexe, formando a partir dela uma estrela de três pontas, sendo a primeira constituída pelo amplo vale dos rios Huamba e Lumenha que tem ao Sul o seu limite geograficamente bem definido no Rio Dange.
As outras duas pontas correspondem, uma ao vale do rio Loge, que é o resultado da confluência dos referidos Huamba e Lumenha e é, também a mais curta, pois termina na embocadura do rio Luquiche . A última corresponde ao vale do rio Luege a partir da formação do maciço da Serra do Pingano que se interpõe entre o vale deste rio e o do Loge e se estende por mais de sessenta quilómetros até ao Kananga e terras de S. José do Encoje. Existe uma segunda área geograficamente distinta desta, constituída pela margem direita do vale do Rio Vamba, tendo a separá-las a serra do Quimbinda.
Este conjunto formava o antigo Posto Administrativo do Quitexe, então ligado ao concelho de Ambaca, com sede em Camabatela e que, posteriormente, mais alargado, deu origem ao Concelho do Dange
A produção cafeeira desta área era proveniente de duas origens: a europeia, das fazendas e a indígena, das lavras, sendo a diferença resultante do tamanho das plantações. Tanto umas como as outras desenvolveram-se sensivelmente ao longo dos últimos 50 anos, terminados em 1975. As fazendas foram, na maioria dos casos iniciadas por comerciantes e altos funcionários vindos principalmente de Luanda que demarcavam os melhores terrenos ao longo dos vales dos vários rios e, na maior parte dos casos, mantinham improdutivos garantindo a sua posse até que viessem melhores dias quer para iniciar os trabalhos, quer simplesmente para os vender.
No vale dos rios Huamba e Lumenha, e no fim da época em referência estavam instaladas as seguintes fazendas identificadas, na sua maioria, pelos nomes dos proprietários:
Esmeralda, de José Bastos; Pumbassinge, de Silva Fogueteiro; Rio Vouga, de Guerra e C.ª; Ricardo Gaspar; José Guerra; Buzinaria, de Celestino Guerra; Dr. Daniel da Cruz e irmão; Álvaro da Cruz Pacheco; Quinta das Arcas, do Dr. Manuel José Pinto Assoreira; S. Pedro, sucessivamente do Dr. Pinto da Fonseca, Madame Van der Schaff e irmãos Guerreiro; Juiz Gomes Teixeira; Companhia Agrícola do Pumbassai de Bernardino Correia da C.ª Colonial de Navegação; Maria Amélia de Diogo e C.ª; Patrocínio; Grussel; Muzecano. Estas fazendas eram servidas pela estrada para Camabatela a
No vale do Loge, ao longo da estrada para o Uíge, a
Carlos Gaspar; José Bastos sobrinho; Marcelina Belo; Cuale-Antoave, de Matos Vaz e C.ª; Pumbaloge, de Herdeiros de Dr. Torres Garcia e Ferreira Lima e, finalmente, Dr Borja Santos, que não foi reocupada.
No Vale do Luege e na estrada para Nova Caipemba, a cerca de 80 Km:
Quimbanze, de Romão & Garcia; João Alves; António Poço; Major Eurípedes e Boaventura Gonçalves; José Poço; Artur Cabral, anteriormente do Dr. Machado Faria; Madame Ruth, que antes foi do Arq. Batalha; Jaime e Glória Rei; Zalala, de Ricardo Gaspar e no “plateau” da serra do Pingano, a Belpingano que antes foi sucessivamente de Amadeu Brandão, Aires Rodrigues, Amadeu dos Santos e, finalmente de Rui Duarte Pombo.
No vale do Vamba e na sua margem direita, no caminho sem saída que parte da estrada Quitexe - Luanda, a cerca de 300 Km, passando pelos Dembos:
Alcides Morais que explorava a Minervina que era ou foi de Dionísio e talvez ão pertencesse ao Quitexe por ficar na margem esquerda do Vamba; uma pequena plantação de Josué da Costa Pacheco, que não foi reocupada e, a última desta linha, a Vamba de
Além destas havia várias pequenas fazendas, umas que não passaram de projectos e outras que foram abandonadas no princípio da guerra e não foram reocupadas por não terem viabilidade económica.
A quase totalidade da mão-de-obra utilizada nestas fazendas vinha do Sul e quase exclusivamente do distrito do Huambo.
A origem sócio-económica dos europeus que residiam nas fazendas sofreu uma sensível alteração com a eclosão da guerra, pois a maior parte dos proprietários abandonou-as como local de residência, sendo substituídos por gerentes, a maioria deles antigos capatazes que a guerra promoveu, o que, juntamente com as necessidades de defesa fez aumentar significativamente esta população durante os últimos 14 anos de domínio português.
É muito difícil fazer uma estimativa da produção europeia dos últimos anos da qual, aliás, nunca houve estatísticas fiáveis. Apesar disso pode adiantar-se um número que não estará desmesuradamente afastado da realidade: quinze mil toneladas/ano.
A população negra, originária da região e a residir em permanência na área não era numerosa, podendo atingir cerca de três mil pessoas. Vivia exclusivamente da agricultura de subsistência nos produtos alimentares, e do café que era transaccionado pelos comerciantes europeus da vila e que nos últimos anos, antes da guerra, terá atingido cerca de quinhentas toneladas/ano.
Habitava senzalas relativamente pequenas, não atingindo, as maiores, mais do que quinhentos habitantes. O Estado só a partir do início da guerra se começou a preocupar com as estas povoações, levando a efeito a construção de algumas infra-estruturas no reduzido número agora existente, já que a população da maioria tinha fugido para o Congo ou vivia nas matas. De realçar, no entanto, que no aspecto médico-sanitário, tinha-se realizado uma obra de indiscutível valor, pois erradicou o maior flagelo que estava na origem de tão baixa densidade populacional, a doença do sono ( tripanosomíase).
SANZALA |
HABITANTES |
TALABANZA |
José Bambi |
Fernando Panzo |
|
Dimora Panzo |
|
Jorge Panzo |
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Manuel Panzo |
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Quitoco Pereira |
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Tito |
|
TALABANZA |
Quijingo Panzo |
João Londa |
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Jonas |
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Gamboa |
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Mateus Beje |
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Kufunda |
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Dombe |
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Dinis Dombe |
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Brandão Macumbe |
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Inês Panzo |
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Rosa Pereira |
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Lamba (Mãe de Mateus Beje) |
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QUIMASSABI |
Quileba |
Garcia Panzo |
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Pedro Cardoso Quieleca |
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João Cardoso |
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Domingos M’Banza |
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Zangue |
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Joaquim Zangue |
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António |
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Domingos Massuaco |
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Morais Tambo |
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Quinherres Manuel (forneiro) |
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Escrito |
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Raúl (forneiro) |
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José Heitor (forneiro) |
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Pena |
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Fonseca Raúl |
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Amélia Caricaia |
|
Isabel |
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Lucixe |
SANZALA |
HABITANTES |
QUITOQUE |
Feraz |
Doqui |
|
Matumbuque Senzala |
|
Abel Canga |
|
Manuel Dala |
|
Girão Manuel |
|
Raúl Manuel |
|
Arnaldo Doqui |
|
QUITOQUE |
Gariama |
Samuel |
|
Olenda |
|
Alfredo Bindo |
|
Ambrósio |
|
Marques Kúfua |
|
Raúl Krim |
|
Filipe Paca |
|
Pedro Mazenga |
|
|
|
Joana Olenda |
|
Isabel Mahindo |
|
Helena Raúl |
|
Alcina |
|
|
|
AMBUÍLA |
Mafuta |
José Mafuta |
|
Domingos Mafuta |
|
José Cussucola |
|
Cussecala |
|
Cardoso (assimilado) |
|
Cabaca (Rei do Ambuíla) |
|
Santos Mabanza |
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Kariembo |
|
Paulo Domingos (Carqueija) |
|
Maínga |
|
|
|
Maria Caxaxe |
|
Joana Mafuta |
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M’Baca |
|
|
|
BUMBE |
Pedro Puto |
Laurindo Puto |
|
Santos |
|
Matos Matoso (catequista) |
|
|
|
CACUACO |
Domingos Gonga |
Garcia Gonga |
|
Pedro Daniel |
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|
|
MUNGAGE |
Foto |
Uilo |
|
António Morais |
|
MUNGAGE |
Loreto |
Quiombo |
|
Cama |
|
Gaspar Diavula |
|
Mendes K’Yeto |
|
João |
|
Binza |
|
Almeida |
SANZALA |
HABITANTES |
CAUNDA |
Quifanga |
Isabel Cabalo |
|
Cecília Canga |
|
Joaquina Cahunda |
|
|
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OUTRAS ORIGENS |
Augusto César (Bailundo) |
Domingos |
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Quintas (origem desconhecida) |
|
Anastácio (origem desconhecida) |
|
Cadete (origem desconhecida) |
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Sebastião (enfermeiro-Quibaxi) |
|
Mariquinhas (Camabatela?) |
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OUTRAS ORIGENS |
Babilónia (Dembos) |
Armando (Huambo) |
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Arranca Ferros (cipaio-Cananga) |
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Lária (ajudante da G. Fiscal-o. d.) |
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|
|
Conceição César |
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Luísa (Uíge) |
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Graça Bento (Quindenuco-Uíge) |
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Verezinha (Sanza Pombo) |
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Vitória (mulher do Hilário-Huambo) |
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Graça (mãe do Hilário-Lucala) |
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Maria Lisboa |
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Graça |
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Joana (Huambo) |
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Graça (voluntários - Negage |
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Joana (Huambo) |
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Jimbolo (Huambo) |
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Rute (Huambo) |
|
Mariana (Salazar) |
3 Lista elaborada de memória, 38 anos mais tarde (1961 – 1999), por Alfredo Baeta Garcia
O Norte de Angola é habitado exclusivamente por povos bantos e nele se pode observar uma relativa homogeneidade étnico-linguística.
Distinguem-se, no entanto dois sub-grupos étnico-linguísticos: o “KiKongo” e o “Kimbundo”.
Ao sub-grupo Kikongo pertencem os povos Mussuco, Pombo, Muxicongo, Mucongo, Muzombo, Muiaca e Mussorongo.
No sub-grupo Kimbundo podem ser incluídos os Ambundos (Dembos), os Ngolas, os Gingas, os Bahungos e os Punas. (FELGAS, Hélio - "As Populações Nativas Do Norte de Angola" - 1965)
Mapa retirado da obra citada
O Quitexe, estando situado numa zona do grupo Kimbundo é um local de transição entre os N’Gola, também chamados Ambaquistas, e a pequena etnia M’Hunga (BaHungos), vivendo (1961) em senzalas separadas, mas sem sinais de agressividade expressiva.
A distribuição destas duas etnias por senzalas, era a seguinte (1961):
N’Gola – Ambuíla, Quimbinda, Luege, Taela, Cacuaco, e Dambi N’Gola;
Hungo – Quitoque, Quimassabi, Tala M’Banza, Cuale, Bumbe, Mungage, Catenda, Aldeia, Zenza Camuti, Quimulange, Cahunda, Tabi, Combo, Quimucanda e Catulo.
Refira-se que depois do início da guerra foram poucos os N’Golas que se “apresentaram” às autoridades portuguesas.
O consumo de bens à disposição da população indígena, no mercado local, teve uma significativa explosão com a valorização do preço do café e o consequente aumento das áreas por eles cultivadas, chegando nalguns casos e nos últimos anos a utilizar mão de obra assalariada do Sul.
Os problemas mais graves entre brancos e pretos surgiram durante a demarcação das fazendas dos agricultores europeus quando estes não respeitaram os legítimos direitos dos povos já instalados, com os quais confinavam. Como esta população não dependia economicamente dos europeus, pelo facto de serem produtores independentes e não assalariados, não se geravam motivos para situações da conflitos graves, a não ser aqueles que resultam de desníveis de cidadania que por sua vez são a consequência, na parte que lhe cabe, não de graus de cultura, mas da natureza diferente das suas culturas, à mistura com algum racismo, para além daquele que é normal resultar da coexistência de duas raças no mesmo espaço e de que ambos eram responsáveis, ainda que em medidas diferentes. Tudo isto, mais cinco séculos de passado, determinou que o poder estivesse na mão dos brancos. Quando deixou de estar, viu-se o que aconteceu.
Esta independência económica era tão manifesta que levou um chefe de posto a decretar o absurdo: quem não fosse trabalhador por conta de outrem era obrigado a ir para o contracto e/ou a trabalhar na granja do posto. E assim passamos a contratar ficticiamente alguns agricultores locais, o que também era um modo de os fidelizar como clientes.
Hélio Felgas, que como governador do distrito do Congo foi paladino da utilização da “pressão da autoridade” na obtenção de contratados, explana, sem dúvidas para ninguém, o seu pensamento na obra já citada “ As populações nativas no Norte de Angola”:
“ Ainda hoje os hábitos de trabalho estão tão pouco arreigados que os nativos só chamam trabalho ao que executam por conta alheia. O trabalho por conta própria não é trabalho.
De resto só ultimamente têm aparecido no nosso Congo alguns voluntários para trabalho de conta alheia. A maioria só pela pressão da autoridade trabalha e mesmo assim fá-lo só para preencher determinado objectivo: Pagar o “alembamento”, adquirir bugigangas, etc. Uma vez satisfeito o capricho entendem que já não precisam trabalhar mais. E se a autoridade não faz pressão só voltam a trabalhar quando tiverem novo capricho.”
A “pressão” da autoridade foi até ao fim do mandato deste governador o único meio para atingir a contratação. Paredes-meias, ali ao lado, no Quitexe e nesta época o panorama era um pouco diferente(nesta data o Quitexe integrava-se no Distrito do Quanza Norte).
Paralelamente a esta população permanente havia a outra que trabalhava nas fazendas dos europeus e era temporária, equivalendo-se numericamente, não havendo entre elas qualquer tipo de relacionamento, o que explica o comportamento de cada uma, durante a guerra.
A povoação comercial do Quitexe aparece nos primeiros anos da década de quarenta a partir do posto administrativo e da Delegação de Saúde, ligada à comercialização da produção indígena de café, que se iniciara uns anos antes. As primeiras casas comerciais desta época eram propriedade do agricultor do vale do Loge, Rui Pombo e do Ricardo Gaspar, geridas respectivamente pelo Rocha e pelo Jaime Rei. Seguiu-se a do meu irmão João Garcia e a do Celestino Guerra. Em 1954 já havia cinco estabelecimentos e respectivas residências anexas. Deste comércio resultava uma relação de interesses recíprocos entre as duas comunidades.
O maior aumento da população europeia da Vila deu-se com a valorização do café poucos anos depois do fim da segunda guerra o que originou uma corrida ao ouro negro, de tal modo que surgiram comerciantes oriundos das mais diversas actividades. Todos os que tivessem conseguido amealhar algum pequeno capital que permitisse construir uma pequena casa comercial e um pouco mais para a abastecer com mercadorias quase simbólicas.
Na maioria dos casos esta corrida resultou numa grande desilusão, cortando as asas á esperança de, a partir dali, vir a ter uma fazenda, como aconteceu nalguns casos. Toda a produção indígena, ainda que fosse dividida igualmente por todos os comerciantes, o que não acontecia, não dava para viver, ainda que modestamente. A única recompensa efectiva era passar nove meses em cada ano sem fazer nada, pois o período de comercialização de cada colheita só durava três meses e a venda de bens de consumo durante o resto do ano era muito escassa. Mesmo esta estava reservada aos comerciantes que tinham capacidade económica para conceder crédito aos maiores agricultores, à mistura com a maior ou menor habilidade de criar simpatias e cativar clientes na reduzida população local.
Entretanto alguns foram desistindo e outros não chegaram a abrir as portas, até que a guerra reduziu drasticamente o seu número. Mesmo no período de maior desenvolvimento, nesta vila, nunca houve uma sociedade Quitexense, ao contrário do que sucedia, ali bem perto,
No entanto a Vila progrediu: Foi asfaltada a nova estrada para Luanda, pelos Dembos, foi construída a escola primária, adaptaram-se a novas instalações hospitalares os acampamentos da TECNIL, construiu-se o clube com sala para cinema (feio, mas grande), a igreja e casa paroquial, um campo de futebol e uma pista para aterragem de pequenos aviões.
Durante a guerra talvez a população europeia pouco tivesse diminuído. O comércio orientou a sua actividade noutro sentido, menos numeroso, mas mais evoluído, pois a sua clientela era diferente nos seus hábitos, mesmo a indígena, os havia alterado. Era a guarnição militar da zona, o corpo de voluntários e a maior parte dos empregados das fazendas que passaram a abastecer-se nos estabelecimentos da Vila. Simultaneamente abriram bares e restaurantes para servirem a nova clientela e toda a população que, entretanto, sem se dar conta, tinha alterado os seus hábitos.
A tropa, tomando de arrendamento quase todas as casas devolutas, deu à povoação uma nova fisionomia para a qual também contribuiu a instalação de uma enorme senzala, pode dizer-se que incorporada na Vila, através de uma zona de transição habitada por brancos e negros. Chamava-se Kadilonge que, suponho, quer dizer “onde se aprende”.
Apesar de tudo, foi a população europeia constituída pelos comerciantes que manteve com as populações locais os laços visíveis e efectivos da coexistência pacífica, possível durante os anos em que lá permaneceu. Creio que estes laços se manterão na memória de uns e de outros que ainda pertençam ao número dos vivos.
Cap. VI
As casas comerciais
As casas de construção definitiva que formavam a povoação eram cerca de 70, não considerando os edifícios públicos. Na sua maioria eram casas comerciais que, por aquilo que recordo do nome dos seus proprietários, eram as seguintes:
Laurindo Ribeiro
Castro da serração
Melgueira e Dias
Doiot
Viúva Guerreiro
Irmãos Correia (Manda Fama) –depois Tavares
Mário Trangalho
José Guerreiro
Pardal
Irmãos Santiago (antes de Almeida)
João Alves
Alfredo Barata
António Rocha
Celestino Guerra
Tavares
Carneiro – Guarda Fiscal
José Morais
Manuel da Pasta
Luís Correia – depois António Ramos
José Rei
Carlos Gaspar
José Morais -2ª
Antunes do Talho – depois Pimenta
Augusto Guerra
Silva Fogueteiro
Dias Mecânico – alugada aos Correios
Madame Van Der Schaff – depois irmãos Guerreiro
Josué Pacheco
Martins Gonçalves – depois Ramos
Joaquim Soreto
Norberto Morais
Jaime Rei
José Bastos Sobrinho – a primeira no tempo que foi de Rui Pombo
Ferreira
Ricardo Gaspar & Cª.
Celestino Guerra – 2ª
João Garcia
Abílio Guerra
José Pires
Manuel Topete
Guedes
Fontes – depois Carvalho Alfaiate
Nota: Esta planta não tem escala. Como foi feita de memória por Alfredo Baeta Garcia é possível que contenha erros na localização exacta dos lotes e na sua dimensão.
No próximo post colocarei a legenda com o nome dos proprietários em 1975. Agradeço que me comuniquem qualquer erro encontrado, pois será involuntário.
Para melhor visualizarem a fotografia e, em particular os números, poderão clicar sobre a mesma.
1 – Álvaro Bastos – antiga Rui Pombo
2 – Ferreira
3 – Ricardo Gaspar
4 – Celestino Guerra I
5 – Abílio Guerra I
6 – João Nogueira Garcia
7 – Igreja
7A - Casa Paroquial
8 – Abílio Guerra II
9 – José Pires
10 – Carvalho alfaiate, antes do Fontes
11 – Manuel Topete
12 – Guedes
13 - Campo de futebol
14 – Antiga Zona – hospital
15 – Pista para aviões
16 – Cemitério
17 – Terreno Vago
18 – Talho Antunes, depois Pimenta
19 – Terreno vago
20 – Augusto Guerra
21 – Silva Fogueteiro
22 – Madame Van der Schaff, depois Guerreiros
23 – Josué Pacheco
24 – Martins Gonçalves, depois Ramos
25 – Paredes de uma casa
26 – Joaquim Soreto
27 – Terreno vago
28 – Jaime Rei I
29 – Jaime Rei II
30 – Norberto Morais
31 – Viúva Guerreiro I
32 – Laurindo Ribeiro
33 – Terreno Vago
34 – António Rocha I
35 – Maria Lázaro (Pacheco)
36 – Terreno Vago
37 – Daiot – Comandante dos Voluntários
38 – Casa de Religiosas
39 – Serração Castro
40 – Melgueira & Dias- Oficina Mecânica de Automóveis
41 – Fábrica de Descasque de Café
42 – Moagem de Irmãos Guerreiro
43 – Nova Senzala de Fala M’ Banza
44 – Senzala Kadilongue (desde 61)
45 – Quartel dos Voluntários (Antiga Guarda-Fiscal)
46 – Senzala dos Cipaios
47 – Posto da Guarda Fiscal
48 – Escola Primária
49 – Clube Recreativo
50 – Ana Caginga
51 – Antiga Residência do Médico
52 – Administração do Concelho
53 – Residência do Administrador
53A - Jardim
54 – Posto de Combustíveis Móbil
55 – Delegação de Saúde e Hospital
36 – Terreno Vago
37 – Daiot – Comandante dos Voluntários
38 – Casa de Religiosas
39 – Serração Castro
40 – Melgueira & Dias- Oficina Mecânica de Automóveis
41 – Fábrica de Descasque de Café
42 – Moagem de Irmãos Guerreiro
43 – Nova Senzala de Fala M’ Banza
44 – Senzala Kadilongue (desde 61)
45 – Quartel dos Voluntários (Antiga Guarda-Fiscal)
46 – Senzala dos Cipaios
47 – Posto da Guarda Fiscal
48 – Escola Primária
49 – Clube Recreativo
50 – Ana Caginga
51 – Antiga Residência do Médico
52 – Administração do Concelho
53 – Residência do Administrador
53A - Jardim
54 – Posto de Combustíveis Móbil
55 – Delegação de Saúde e Hospital
56 – Carlos Gaspar
57 – José Morais
58 – Paredes de uma casa
59 – Casa particular do Guarda Fiscal
60 – José Bastos
61 – José Rei
62 – Luís Correia, depois António Fernandes Ramos
63 – Manuel da Pasta
64 – Bar José Morais
65 – Terreno vago
66 – Carneiro
67 – Tavares
68 – Posto de Combustíveis Sacor
69 – Bar Rocha
70 – Celestino Guerra II
71 – Alfredo Barata
72 – Dias Mecânico – Alugada aos CTT
73 – João Alves
74 – Santiagos, antes de Almeida
75 – Pardal
76 – José Guerreiro
77 – Mário Trangalho
78 – Irmãos Correia (Manda-Fama), depois Tavares
79 – Padaria e Comércio da Viúva Guerreiro – Tibúrcio
80 – Depósito de água
Chefes do Posto Administrativo do Quitexe - Concelho de Ambaca - Distrito de Quanza Norte
.
António Lopes Soares
Mário da Silva Carranca
Alferes Carvalho
Manuel da Silva Barreiros
Carlos Mendes
Genro do Dr. Almeida Santos (não recordo o nome)
Nascimento Rodrigues
Administradores do Concelho do Dange - Distrito de Uíge
.
Em 1961 foi criado o novo Concelho do Dange com sede na Vila do Quitexe, sendo os seguintes os seus administradores:
Rodrigo José Baião (vindo de Chefe do Posto de 31 de Janeiro)
Meneses e Pereira
João Nunes de Matos, casado com Palmira Barreiros
Raul Teixeira, interino, casado com Leopoldina
Octávio Pimental Teixeira, filho do farmacêutico Pimentel Teixeira de Moçamedes
Galina, interino
Médicos
Até 75 apenas houve dois médicos permanentes, mas a exercerem particularmente:
Antes de 61 : Almeida Santos
Anos depois de 61: Joaquim Martins Correia
Enfermeiros
Monteiro
Sousa
Mário Alves
Esta lista foi feita de memória por Alfredo Baeta Garcia. É possível que contenha erros e imprecisões. Agradeço que me comuniquem qualquer erro ou omissão encontrados, pois serão involuntários.
a) Mortos no dia 15 de Março de 1961 pela UPA:
Na vila do Quitexe:
1 – Mulher do Faísca (José Albuquerque), ex-ciclista e empregado do Celestino Guerra (ver aqui )
2 – Mário Trangalho e sua mulher Ilda; comerciante
1 – Filho de José Guerreiro (comerciante), criança
2 – Maria Guerreiro, padeira e seu filho
2 – Casal Guerra – António Inocêncio Pereira (faleceria já em Luanda) e sua esposa Joaquina (Pais da família Guerra – Helena, Celestino, José, Jaime, Henrique e Augusto)
4 – Corrente, amanuense do Posto; sua mulher e dois filhos
Na sua fazenda, na zona do Ambuíla:
1 – José Poço, agricultor
Na Lagoa do Feitiço, perto do Dambe:
1 – Homem, novo na terra, natural de Vila de Rei (estivera antes em Porto Alexandre)
Em Zalala:
3 – Esposa do gerente de nome Cordeiro; Lídia Esteves, mulher de José Esteves e sua filha
Neste mesmo dia foram mortos, em várias fazendas da área algumas dezenas de trabalhadores contratados do Sul, genericamente chamados Bailundos e muitos outros desaparecidos dos quais nunca se soube o paradeiro.
b) Mortos depois do dia 15 de Março, até ao fim da guerra na área que pertenceu aproximadamente ao antigo Posto do Quitexe, e não a todo o seu concelho que a partir de certa altura se chamou Dange:
b.1) Mortos pela Pide / civis:
Vila
4 – Cansenza, soba do Zenza-Camuti;
Bombeiro da Móbil e empregado de Romão & Garcia;
Irmão do Tico cozinheiro;
Quintas, pedreiro, também empregado de Romão & Garcia;
Uíge?
6 –Presos e feitos desaparecer pela Pide (provavelmente no Uíge):
Cardoso, assimilado do Ambuíla;
Ambrósio do Quitoque;
Diniz Dombe do Talabanza;
Joaquim Zangue do Quimassabi;
Raul, forneiro do Quimassabi;
João Landa do Talabanza
Nota : A relação de mortos nestes dois últimos locais não é exaustiva
Ambuíla
1 – Velho Cussecala, louco que ficou abandonado na sanzala, morto por militares /civis
Matos Vaz
1 – Garcia Panzo, sapateiro, morto pela Pide
b.2) Mortos pela UPA / FNLA
Vila
Quimbanze 3 – Homem mestiço e dois capatazes
1 – Amado, cerâmico, sócio do Ilídio Alves
S. João
1 – João Alves, agricultor, poucos dias antes de
acabar a guerra
Subida do Bumbe
2 - Madame Ruth, assim era conhecida, e um motorista branco do qual ninguém soube o nome
Mungage
2 – Baptista de Cariambe e um companheiro de Luanda, nesse tempo industriais de vassouras que iam buscar uma carrada de paus para as ditas.
Quinuma
1 – José Melgueira, mecânico com oficina no
Quitexe
Rio Duizo
Nicodemos, açoreano, empregado do Madeira
& Marques
Sta. Isabel- Albuquerque
1 – Encarregado, parece que natural de
Coimbra
Pingano
3 – Rui Pombo, agricultor; Manuel Panzo, capataz e Sebastião, enfermeiro
Hamba
2 – José Guerra, agricultor e Ramalho, seu empregado, no terreiro pelas 18 horas
Dambe
2 – Polícias que iam na escolta do administrador
Nota : esta relação não abarca os militares portugueses nem os guerrilheiros da UPA / FNLA mortos, nomeadamente no segundo e último ataque ao Quitexe em 10 de Abril de 61. Desconhecem-se, também, os mortos nas matas, durante a guerra
c) Depois de 1974
Vila
1 – Filho do Quigingo Panzo, de nome Swing, morto pela FNLA
1 – Domingos, sapateiro e sipaio do Tabi, morto pelo MPLA
Infelizmente a tragédia não acaba aqui. Prolongou-se até ao novo milénio num contínuo de horrores, mortes e destruição.
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Durante a guerra de 14 anos as paredes da igreja transformaram-se num memorial com placas alusivas a todos os brancos que durante esses anos perderam a vida na área do posto administrativo do Quitexe, agora sede do Concelho do Dange.
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