Sábado, 1 de Dezembro de 2007

Um pormenor relevante mas quase ignorado da guerra em Angola

 

Os nossos irmãos Bailundos

por Alfredo Baeta Garcia

 

Uma das vitimas esquecidas ou ignoradas da guerra em Angola, antes e logo após a independência, como se nunca tivesse existido, foram os largos milhares de trabalhadores contratados provenientes do planalto central, conhecidos por bailundos,  qualquer que fosse a sua origem do centro e sul de Angola. Eles constituíam, então, a totalidade da mão de obra não especializada das fazendas de café a norte do Cuanza e foram abandonados pela força das circunstâncias, por aqueles que já não tinham qualquer capacidade para os proteger, os seus patrões. Destes, os que lá ficaram até pouco antes da independência, pode dizer-se que estavam na mesma situação, menos na possibilidade de se irem escapando de avião para Luanda e daí para Lisboa.

 

 

Os Bailundos não podiam fazê-lo, apesar de estarem mais perto das suas terras de origem, pois todas as vias de comunicação que levavam para Sul até ao Cuanza ficaram cortadas a partir dos primeiros meses de 1975.

Os europeus e alguns seus acompanhantes que teimaram em ficar, tiveram mais tarde de fugir rumo a Kinshasa, única saída com os caminhos ainda abertos, mas pouco seguros, e que também não servia os Bailundos por os afastar mais das suas origens, correndo os mesmos riscos dos caminhos do Sul. Assim, o último destes grupos que saiu do Quitexe com aquele destino só o conseguiu alcançar fazendo a pé as últimas etapas, pois as viaturas em que seguiam foram ficando pelo caminho avariadas, nenhuma chegando ao seu destino.

 

Os pobres Bailundos, agora ex-contratados, lá ficaram entregues à sua sorte, não se sabendo exactamente como terminaram. Alguns, que tentaram fazer a viagem de regresso a pé, foram quase sempre apanhados pelos Movimentos que cedo passaram a guerrear-se, transformando-os, depois, em seus carregadores, o menos que lhes podia acontecer.

 

Se bem que todos tenham sofrido os horrores da guerra, estes segregados no seu país, por força das diferenças étnicas, vivendo, por essa razão num ambiente que lhes era hostil, agravado por nunca terem apoiado qualquer um dos dois movimentos implantados na região a que eram completamente estranhos e, ainda menos, se terem envolvido nas lutas sangrentas que travaram entre si, estes sofreram por razões que lhe eram alheias.

 

Para compreender esta situação é necessário ter em consideração a base de formação dos Movimentos de Libertação que funcionavam cada um à volta de determinada etnia, não sendo por isso, nenhum deles de âmbito nacional, nem podiam sê-lo, dada a constituição fragmentada da população, como se viu depois.

 

Por esse seu comportamento, já nos momentos de aflição de 1961, quando era fácil trair-nos e nunca o fizeram, foram, também eles, vítimas fáceis da ira assassina da UPA. Por isso, durante os dois primeiros anos, que foram os mais difíceis de toda a guerra, passaram a chamar-lhes no único jornal que então se publicava no Uíge, o Jornal do Congo, “Os nossos irmãos Bailundos”.

 

Os Brancos e os Bailundos, como não faziam parte de grupos étnicos autócnes do local onde vivíam, foram irresponsavelmente esquecidos, abandonados, enxovalhados e espoliados, vítimas da descolonização. Só que, dos Bailundos, parece que intencionalmente encalhados nos recessos escusos da indiferença, nada reza a seu respeito a história já feita. É pena, pois ficará para sempre desconhecido um dos factores mais importante dessa guerra, especialmente no Norte de Angola, região onde os seus efeitos foram mais perversos. Pode dizer-se, sem exagerar, que os Bailundos representaram numa altura critica um papel decisivo, a par de outros factores, na estabilização que se conseguiu nos anos seguintes a 61, o que representa uma injustiça e adulteração da nossa história desse período em Angola.

 

Como os Movimentos de Libertação, pela voz dos seus responsáveis chamavam e ainda chamam traidores e vendidos uns aos outros, é possível que os Bailundos não escapem a uma qualquer categoria neste tipo de classificações.

 

Este período da história de Angola quando for  estudado com isenção , já liberto pelo tempo das paixões sectárias e do poder, estará em condições de dizer os que se venderam, a quem e como foram pagos. Hoje já é possível adiantar alguns factos incontroversos desse mercado.

 

Actualmente são muito poucas as testemunhas válidas que passaram efectivamente a guerra nas zonas do café no Norte de Angola, que possam estar em condições de avaliar este facto na sua real dimensão. Os outros, quase todos já emigraram para onde não se pode voltar a ser retornado, deixando um vazio na nossa memória colectiva.

publicado por Quimbanze às 09:39

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Sábado, 3 de Novembro de 2007

Cap. I - Geografia - O relevo e a hidrografia

 

O estabelecimento permanente dos portugueses nesta área está exclusivamente ligado à produção e comercialização do café, sendo a região do Quitexe, aqui referida, aquela que corresponde aproximadamente ao antigo Encoge e tem como centro a povoação de Quitexe, formando a partir dela uma estrela de três pontas, sendo a primeira constituída pelo amplo vale dos rios Huamba e Lumenha que tem ao Sul o seu limite geograficamente bem definido no Rio Dange.

As outras duas pontas correspondem, uma ao vale do rio Loge, que é o resultado da confluência dos referidos Huamba e Lumenha e é, também a mais curta, pois termina na embocadura do rio Luquiche . A última corresponde ao vale do rio Luege a partir da formação do maciço da Serra do Pingano que se interpõe entre o vale deste rio e o do Loge e se estende por mais de sessenta quilómetros até ao Kananga e terras de S. José do Encoje. Existe uma segunda área geograficamente distinta desta, constituída pela margem direita do vale do Rio Vamba, tendo a separá-las a serra do Quimbinda.

Este conjunto formava o antigo Posto Administrativo do Quitexe, então ligado ao concelho de Ambaca, com sede em Camabatela e que, posteriormente, mais alargado, deu origem ao Concelho do Dange

Mapa de 1968
publicado por Quimbanze às 08:38

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Cap. II - Aspectos sócio-económicos

 

 

 

 

A produção cafeeira desta área era proveniente de duas origens: a europeia, das fazendas e a indígena, das lavras, sendo a diferença resultante do tamanho das plantações. Tanto umas como as outras desenvolveram-se sensivelmente ao longo dos últimos 50 anos, terminados em 1975. As fazendas foram, na maioria dos casos iniciadas por comerciantes e altos funcionários vindos principalmente de Luanda que demarcavam os melhores terrenos ao longo dos vales dos vários rios e, na maior parte dos casos, mantinham improdutivos garantindo a sua posse até que viessem melhores dias quer para iniciar os trabalhos, quer simplesmente para os vender.

No vale dos rios Huamba e Lumenha, e no fim da época em referência estavam instaladas as seguintes fazendas identificadas, na sua maioria, pelos nomes dos proprietários:

Esmeralda, de José Bastos; Pumbassinge, de Silva Fogueteiro; Rio Vouga, de Guerra e C.ª; Ricardo Gaspar; José Guerra; Buzinaria, de Celestino Guerra; Dr. Daniel da Cruz e irmão; Álvaro da Cruz Pacheco; Quinta das Arcas, do Dr. Manuel José Pinto Assoreira; S. Pedro, sucessivamente do Dr. Pinto da Fonseca, Madame Van der Schaff e irmãos Guerreiro; Juiz Gomes Teixeira; Companhia Agrícola do Pumbassai de Bernardino Correia da C.ª Colonial de Navegação; Maria Amélia de Diogo e C.ª; Patrocínio; Grussel; Muzecano. Estas fazendas eram servidas pela estrada para Camabatela a 85 Km.

 

No vale do Loge, ao longo da estrada para o Uíge, a 45 Km, separado do vale do Luege pela imponente serra do Pingano, ficam as seguintes fazendas:

Carlos Gaspar; José Bastos sobrinho; Marcelina Belo; Cuale-Antoave, de Matos Vaz e C.ª; Pumbaloge, de Herdeiros de Dr. Torres Garcia e Ferreira Lima e, finalmente, Dr Borja Santos, que não foi reocupada.

 

No Vale do Luege e na estrada para Nova Caipemba, a cerca de 80 Km:

Quimbanze, de Romão & Garcia; João Alves; António Poço; Major Eurípedes e Boaventura Gonçalves; José Poço; Artur Cabral, anteriormente do Dr. Machado Faria; Madame Ruth, que antes foi do Arq. Batalha; Jaime e Glória Rei; Zalala, de Ricardo Gaspar e no “plateau” da serra do Pingano, a Belpingano que antes foi sucessivamente de Amadeu Brandão, Aires Rodrigues, Amadeu dos Santos e, finalmente de Rui Duarte Pombo.

 

No vale do Vamba e na sua margem direita, no caminho sem saída que parte da estrada Quitexe - Luanda, a cerca de 300 Km, passando pelos Dembos:

Alcides Morais que explorava a Minervina que era ou foi de Dionísio e talvez ão pertencesse ao Quitexe por ficar na margem esquerda do Vamba; uma pequena plantação de Josué da Costa Pacheco, que não foi reocupada e, a última desta linha, a Vamba de Fernando Santos Diniz.

 

Além destas havia várias pequenas fazendas, umas que não passaram de projectos e outras que foram abandonadas no princípio da guerra e não foram reocupadas por não terem viabilidade económica.

 

A quase totalidade da mão-de-obra utilizada nestas fazendas vinha do Sul e quase exclusivamente do distrito do Huambo.

A origem sócio-económica dos europeus que residiam nas fazendas sofreu uma sensível alteração com a eclosão da guerra, pois a maior parte dos proprietários abandonou-as como local de residência, sendo substituídos por gerentes, a maioria deles antigos capatazes que a guerra promoveu, o que, juntamente com as necessidades de defesa fez aumentar significativamente esta população durante os últimos 14 anos de domínio português.

É muito difícil fazer uma estimativa da produção europeia dos últimos anos da qual, aliás, nunca houve estatísticas fiáveis. Apesar disso pode adiantar-se um número que não estará desmesuradamente afastado da realidade: quinze mil toneladas/ano.

   

A população negra, originária da região e a residir em permanência na área não era numerosa, podendo atingir cerca de três mil pessoas. Vivia exclusivamente da agricultura de subsistência nos produtos alimentares, e do café que era transaccionado pelos comerciantes europeus da vila e que nos últimos anos, antes da guerra, terá atingido cerca de quinhentas toneladas/ano.

 Loja no Quitexe

Habitava senzalas relativamente pequenas, não atingindo, as maiores, mais do que quinhentos habitantes. O Estado só a partir do início da guerra se começou a preocupar com as estas povoações, levando a efeito a construção de algumas infra-estruturas no reduzido número agora existente, já que a população da maioria tinha fugido para o Congo ou vivia nas matas. De realçar, no entanto, que no aspecto médico-sanitário, tinha-se realizado uma obra de indiscutível valor, pois erradicou o maior flagelo que estava na origem de tão baixa densidade populacional, a doença do sono ( tripanosomíase).

publicado por Quimbanze às 08:32

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Nome dos habitantes de algumas sanzalas do antigo Posto Administrativo do Quitexe em 1961

SANZALA

HABITANTES

TALABANZA

José Bambi

Fernando Panzo

Dimora Panzo

Jorge Panzo

Manuel Panzo

Quitoco Pereira

Tito

TALABANZA

Quijingo Panzo

João Londa

Jonas

Gamboa

Mateus Beje

Kufunda

Dombe

Dinis Dombe

Brandão Macumbe

 

Inês Panzo

Rosa Pereira

Lamba (Mãe de Mateus Beje)

 

 

QUIMASSABI

Quileba

Garcia Panzo

Pedro Cardoso Quieleca

João Cardoso

Domingos M’Banza

Zangue

Joaquim Zangue

António

Domingos Massuaco

Morais Tambo

Quinherres Manuel (forneiro)

Escrito

Raúl (forneiro)

José Heitor (forneiro)

Pena

Fonseca Raúl

 

Amélia Caricaia

Isabel

Lucixe

publicado por Quimbanze às 08:31

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Nome dos habitantes de algumas sanzalas do antigo Posto Administrativo do Quitexe em 1961

SANZALA

HABITANTES

QUITOQUE

Feraz

Doqui

Matumbuque Senzala

Abel Canga

Manuel Dala

Girão Manuel

Raúl Manuel

Arnaldo Doqui

QUITOQUE

Gariama

Samuel

Olenda

Alfredo Bindo

Ambrósio

Marques Kúfua

Raúl Krim

Filipe Paca

Pedro Mazenga

 

Joana Olenda

Isabel Mahindo

Helena Raúl

Alcina

 

 

AMBUÍLA

Mafuta

José Mafuta

Domingos Mafuta

José Cussucola

Cussecala

Cardoso (assimilado)

Cabaca (Rei do Ambuíla)

Santos Mabanza

Kariembo

Paulo Domingos (Carqueija)

Maínga

 

Maria Caxaxe

Joana Mafuta

M’Baca

 

 

BUMBE

Pedro Puto

Laurindo Puto

Santos

Matos Matoso (catequista)

 

 

CACUACO

Domingos Gonga

Garcia Gonga

Pedro Daniel

 

 

MUNGAGE

Foto

Uilo

António Morais

MUNGAGE

Loreto

Quiombo

Cama

Gaspar Diavula

Mendes K’Yeto

João

Binza

Almeida

publicado por Quimbanze às 08:28

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Nome dos habitantes de algumas sanzalas do antigo Posto Administrativo do Quitexe em 1961

SANZALA

HABITANTES

CAUNDA

Quifanga

Isabel Cabalo

Cecília Canga

Joaquina Cahunda

 

 

OUTRAS ORIGENS

Augusto César (Bailundo)

Domingos

Quintas (origem desconhecida)

Anastácio (origem desconhecida)

Cadete (origem desconhecida)

Sebastião (enfermeiro-Quibaxi)

Mariquinhas (Camabatela?)

OUTRAS ORIGENS

Babilónia (Dembos)

Armando (Huambo)

Arranca Ferros (cipaio-Cananga)

Lária (ajudante da G. Fiscal-o. d.)

 

Conceição César

Luísa (Uíge)

Graça Bento (Quindenuco-Uíge)

Verezinha (Sanza Pombo)

Vitória (mulher do Hilário-Huambo)

Graça (mãe do Hilário-Lucala)

Maria Lisboa

Graça

Joana (Huambo)

Graça (voluntários - Negage

Joana (Huambo)

Jimbolo (Huambo)

Rute (Huambo)

Mariana (Salazar)

 

3 Lista elaborada de memória, 38 anos mais tarde (1961 – 1999),  por Alfredo Baeta Garcia


publicado por Quimbanze às 08:26

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Cap. III - Aspectos etnolinguísticos

 

 

 

O Norte de Angola é habitado exclusivamente por povos bantos e nele se pode observar uma relativa homogeneidade étnico-linguística.

Distinguem-se, no entanto dois sub-grupos étnico-linguísticos: o “KiKongo” e o “Kimbundo”.

Ao sub-grupo Kikongo pertencem os povos Mussuco, Pombo, Muxicongo, Mucongo, Muzombo, Muiaca e Mussorongo.

 No sub-grupo Kimbundo podem ser incluídos os Ambundos (Dembos), os Ngolas, os Gingas, os Bahungos e os Punas. (FELGAS, Hélio - "As Populações Nativas Do Norte de Angola" - 1965)

Mapa retirado da obra citada 

 

O Quitexe, estando situado numa zona do grupo Kimbundo é um local de transição entre os N’Gola, também chamados Ambaquistas, e a pequena etnia M’Hunga (BaHungos), vivendo (1961) em senzalas separadas, mas sem sinais de agressividade expressiva.

A distribuição destas duas etnias por senzalas, era a seguinte (1961):

 

N’Gola – Ambuíla, Quimbinda, Luege, Taela, Cacuaco, e Dambi N’Gola;

 

Hungo – Quitoque, Quimassabi, Tala M’Banza, Cuale, Bumbe, Mungage, Catenda, Aldeia, Zenza Camuti, Quimulange, Cahunda, Tabi, Combo, Quimucanda e Catulo.

 

Refira-se que depois do início da guerra foram poucos os N’Golas que se “apresentaram” às autoridades portuguesas.

publicado por Quimbanze às 08:25

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RELEMBRANDO TERRAS DO QUITEXE - Cap. IV

 

O consumo de bens à disposição da população indígena, no mercado local, teve uma significativa explosão com a valorização do preço do café e o consequente aumento das áreas por eles cultivadas, chegando nalguns casos e nos últimos anos a utilizar mão de obra assalariada do Sul.

Os problemas mais graves entre brancos e pretos surgiram durante a demarcação das fazendas dos agricultores europeus quando estes não respeitaram os legítimos direitos dos povos já instalados, com os quais confinavam. Como esta população não dependia economicamente dos europeus, pelo facto de serem produtores independentes e não assalariados, não se geravam motivos para situações da conflitos graves, a não ser aqueles que resultam de desníveis de cidadania que por sua vez são a consequência, na parte que lhe cabe, não de graus de cultura, mas da natureza diferente das suas culturas, à mistura com algum racismo, para além daquele que é normal resultar da coexistência de duas raças no mesmo espaço e de que ambos eram responsáveis, ainda que em medidas diferentes. Tudo isto, mais cinco séculos de passado, determinou que o poder estivesse na mão dos brancos. Quando deixou de estar, viu-se o que aconteceu.

Esta independência económica era tão manifesta que levou um chefe de posto a decretar o absurdo: quem não fosse trabalhador por conta de outrem era obrigado a ir para o contracto e/ou a trabalhar na granja do posto. E assim passamos a contratar ficticiamente alguns agricultores locais, o que também era um modo de os fidelizar como clientes.

Hélio Felgas, que como governador do distrito do Congo foi paladino da utilização da “pressão da autoridade” na obtenção de contratados, explana, sem dúvidas para ninguém, o seu pensamento na obra já citada “ As populações nativas no Norte de Angola”:

 

“ Ainda hoje os hábitos de trabalho estão tão pouco arreigados que os nativos só chamam trabalho ao que executam por conta alheia. O trabalho por conta própria não é trabalho.

De resto só ultimamente têm aparecido no nosso Congo alguns voluntários para trabalho de conta alheia. A maioria só pela pressão da autoridade trabalha e mesmo assim fá-lo só para preencher determinado objectivo: Pagar o “alembamento”, adquirir bugigangas, etc. Uma vez satisfeito o capricho entendem que já não precisam trabalhar mais. E se a autoridade não faz pressão só voltam a trabalhar quando tiverem novo capricho.”

 

A “pressão” da autoridade foi até ao fim do mandato deste governador o único meio para atingir a contratação. Paredes-meias, ali ao lado, no Quitexe e nesta época o panorama era um pouco diferente(nesta data o Quitexe integrava-se no Distrito do Quanza Norte).

Paralelamente a esta população permanente havia a outra que trabalhava nas fazendas dos europeus e era temporária, equivalendo-se numericamente, não havendo entre elas qualquer tipo de relacionamento, o que explica o comportamento de cada uma, durante a guerra.

 Contratados do Sul

publicado por Quimbanze às 08:23

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Cap. V - Os comerciantes

 

 

A povoação comercial do Quitexe aparece nos primeiros anos da década de quarenta a partir do posto administrativo e da Delegação de Saúde, ligada à comercialização da produção indígena de café, que se iniciara uns anos antes. As primeiras casas comerciais desta época eram propriedade do agricultor do vale do Loge, Rui Pombo e do Ricardo Gaspar, geridas respectivamente pelo Rocha e pelo Jaime Rei. Seguiu-se a do meu irmão João Garcia e a do Celestino Guerra. Em 1954 já havia cinco estabelecimentos e respectivas residências anexas. Deste comércio resultava uma relação de interesses recíprocos entre as duas comunidades.

Casa de João Garcia ( à direita) e de Celestino Guerra em construção (à esquerda)

.

O maior aumento da população europeia da Vila deu-se com a valorização do café poucos anos depois do fim da segunda guerra o que originou uma corrida ao ouro negro, de tal modo que surgiram comerciantes oriundos das mais diversas actividades. Todos os que tivessem conseguido amealhar algum pequeno capital que permitisse construir uma pequena casa comercial e um pouco mais para a abastecer com mercadorias quase simbólicas.

         Na maioria dos casos esta corrida resultou numa grande desilusão, cortando as asas á esperança de, a partir dali, vir a ter uma fazenda, como aconteceu nalguns casos. Toda a produção indígena, ainda que fosse dividida igualmente por todos os comerciantes, o que não acontecia, não dava para viver, ainda que modestamente. A única recompensa efectiva era passar nove meses em cada ano sem fazer nada, pois o período de comercialização de cada colheita só durava três meses e a venda de bens de consumo durante o resto do ano era muito escassa. Mesmo esta estava reservada aos comerciantes que tinham capacidade económica para conceder crédito aos maiores agricultores, à mistura com a maior ou menor habilidade de criar simpatias e cativar clientes na reduzida população local.

         Entretanto alguns foram desistindo e outros não chegaram a abrir as portas, até que a guerra reduziu drasticamente o seu número. Mesmo no período de maior desenvolvimento, nesta vila, nunca houve uma sociedade Quitexense, ao contrário do que sucedia, ali bem perto, em Camabatela. De facto não houve tempo para qualquer sedimentação social da população europeia. A primeira geração branca nasce no início da década de 50 (António Manuel Guerra -1950 - filho de Abílio e Helena Guerra , António Rei-1951 - filho de Jaime e Glória Rei, António José Garcia-1952 filho de João e Aline Garcia) mas, com o início da guerra logo se dispersa concentrando-se nos meios urbanos maiores ou, mesmo regressando a Portugal.

         No entanto a Vila progrediu: Foi asfaltada a nova estrada para Luanda, pelos Dembos, foi construída a escola primária, adaptaram-se a novas instalações hospitalares os acampamentos da TECNIL, construiu-se o clube com sala para cinema (feio, mas grande), a igreja e casa paroquial, um campo de futebol e uma pista para aterragem de pequenos aviões.

Durante a guerra talvez a população europeia pouco tivesse diminuído. O comércio orientou a sua actividade noutro sentido, menos numeroso, mas mais evoluído, pois a sua clientela era diferente nos seus hábitos, mesmo a indígena, os havia alterado. Era a guarnição militar da zona, o corpo de voluntários e a maior parte dos empregados das fazendas que passaram a abastecer-se nos estabelecimentos da Vila. Simultaneamente abriram bares e restaurantes para servirem a nova clientela e toda a população que, entretanto, sem se dar conta, tinha alterado os seus hábitos.

         A tropa, tomando de arrendamento quase todas as casas devolutas, deu à povoação uma nova fisionomia para a qual também contribuiu a instalação de uma enorme senzala, pode dizer-se que incorporada na Vila, através de uma zona de transição habitada por brancos e negros. Chamava-se Kadilonge que, suponho, quer dizer “onde se aprende”.

 

Apesar de tudo, foi a população europeia constituída pelos comerciantes que manteve com as populações locais os laços visíveis e efectivos da coexistência pacífica, possível durante os anos em que lá permaneceu. Creio que estes laços se manterão na memória de uns e de outros que ainda pertençam ao número dos vivos.

publicado por Quimbanze às 08:21

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O comércio

 

Cap. VI

 

As casas comerciais

 

As casas de construção definitiva que formavam a povoação eram cerca de 70, não considerando os edifícios públicos. Na sua maioria eram casas comerciais que, por aquilo que recordo do nome dos seus proprietários, eram as seguintes:

 

Laurindo Ribeiro

Castro da serração

Melgueira e Dias

Doiot

Viúva Guerreiro

Irmãos Correia (Manda Fama) –depois Tavares

Mário Trangalho

José Guerreiro

Pardal

Irmãos Santiago (antes de Almeida)

João Alves

Alfredo Barata

António Rocha

Celestino Guerra

Tavares

Carneiro – Guarda Fiscal

José Morais

Manuel da Pasta

Luís Correia – depois António Ramos

José Rei

Carlos Gaspar

José Morais -2ª

Antunes do Talho – depois Pimenta

Augusto Guerra

Silva Fogueteiro

Dias Mecânico – alugada aos Correios

Madame Van Der Schaff – depois irmãos Guerreiro

Josué Pacheco

Martins Gonçalves – depois Ramos

Joaquim Soreto

Norberto Morais

Jaime Rei

José Bastos Sobrinho – a primeira no tempo que foi de Rui Pombo

Ferreira

Ricardo Gaspar & Cª.

Celestino Guerra – 2ª

João Garcia

Abílio Guerra

José Pires

Manuel Topete

Guedes

Fontes – depois Carvalho Alfaiate

publicado por Quimbanze às 08:19

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PLANTA DO QUITEXE

 

Nota: Esta planta não tem escala. Como foi feita de memória por Alfredo Baeta Garcia é possível que contenha erros na localização exacta dos lotes e na sua dimensão. 

No próximo post colocarei a legenda com o nome dos proprietários em 1975. Agradeço que me comuniquem qualquer erro encontrado, pois será involuntário.

Para melhor visualizarem a fotografia e, em particular os números, poderão clicar sobre a mesma.

publicado por Quimbanze às 08:18

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LEGENDA I

1 – Álvaro Bastos – antiga Rui Pombo

2 – Ferreira

3 – Ricardo Gaspar

4 – Celestino Guerra I

 

Abílio Guerra  e João Garcia

 5 – Abílio Guerra I

6 – João Nogueira Garcia

 

 

7 – Igreja

7A - Casa Paroquial

 

 

 

8 – Abílio Guerra II

 

 

 

9 – José Pires

10 – Carvalho alfaiate, antes do Fontes

 

 

11 – Manuel Topete

12 – Guedes

13 - Campo de futebol

14 – Antiga Zona – hospital

15 – Pista para aviões

16 – Cemitério

17 – Terreno Vago

18 – Talho Antunes, depois Pimenta

19 – Terreno vago

20 – Augusto Guerra

21 – Silva Fogueteiro

22 – Madame Van der Schaff, depois Guerreiros

23 – Josué Pacheco

24 – Martins Gonçalves, depois Ramos

25 – Paredes de uma casa

26 – Joaquim Soreto

27 – Terreno vago

28 – Jaime Rei I

29 – Jaime Rei II

30 – Norberto Morais

31 – Viúva Guerreiro I

32 – Laurindo Ribeiro

33 – Terreno Vago

34 – António Rocha I

35 – Maria Lázaro (Pacheco)

publicado por Quimbanze às 08:17

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LEGENDA II (continuação)

36 – Terreno Vago

37 – Daiot – Comandante dos Voluntários

38 – Casa de Religiosas

39 – Serração Castro

40 – Melgueira & Dias- Oficina Mecânica de Automóveis

41 – Fábrica de Descasque de Café

42 – Moagem de Irmãos Guerreiro

43 – Nova Senzala de Fala M’ Banza

44 – Senzala Kadilongue (desde 61)

45 – Quartel dos Voluntários (Antiga Guarda-Fiscal)

46 – Senzala dos Cipaios

47 – Posto da Guarda Fiscal

48 – Escola Primária

49 – Clube Recreativo

50 – Ana Caginga

51 – Antiga Residência do Médico

52 – Administração do Concelho

53 – Residência do Administrador

53A  -  Jardim

54 – Posto de Combustíveis Móbil

55 – Delegação de Saúde e Hospital

publicado por Quimbanze às 08:16

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LEGENDA II (continuação)

36 – Terreno Vago

37 – Daiot – Comandante dos Voluntários

38 – Casa de Religiosas

39 – Serração Castro

40 – Melgueira & Dias- Oficina Mecânica de Automóveis

41 – Fábrica de Descasque de Café

42 – Moagem de Irmãos Guerreiro

43 – Nova Senzala de Fala M’ Banza

44 – Senzala Kadilongue (desde 61)

45 – Quartel dos Voluntários (Antiga Guarda-Fiscal)

46 – Senzala dos Cipaios

47 – Posto da Guarda Fiscal

48 – Escola Primária

49 – Clube Recreativo

50 – Ana Caginga

51 – Antiga Residência do Médico

52 – Administração do Concelho

53 – Residência do Administrador

53A  -  Jardim

54 – Posto de Combustíveis Móbil

55 – Delegação de Saúde e Hospital

publicado por Quimbanze às 08:15

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LEGENDA III (Conclusão)

56 – Carlos Gaspar

57 – José Morais

58 – Paredes de uma casa

59 – Casa particular do Guarda Fiscal

60 – José Bastos

61 – José Rei

62 – Luís Correia, depois António Fernandes Ramos

63 – Manuel da Pasta

64 – Bar José Morais

65 – Terreno vago

66 – Carneiro

67 – Tavares

68 – Posto de Combustíveis Sacor

69 – Bar Rocha

70 – Celestino Guerra II

71 – Alfredo Barata

72 – Dias Mecânico – Alugada aos CTT

73 – João Alves

74 – Santiagos, antes de Almeida

75 – Pardal

76 – José Guerreiro

77 – Mário Trangalho

78 – Irmãos Correia (Manda-Fama), depois Tavares

79 – Padaria e Comércio da Viúva Guerreiro – Tibúrcio

 

80 – Depósito de água

publicado por Quimbanze às 08:13

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Relação dos Chefes de Posto e Administradores do Quitexe

Chefes do Posto Administrativo do Quitexe - Concelho de Ambaca - Distrito de Quanza Norte

.

António Lopes Soares

 

Mário da Silva Carranca

 

Alferes Carvalho

 

Manuel da Silva Barreiros

 

Carlos Mendes

 

Genro do Dr. Almeida Santos (não recordo o nome)

 

Nascimento Rodrigues

 

Administradores do Concelho do Dange - Distrito de Uíge

.

 

Em 1961 foi criado o novo Concelho do Dange com sede na Vila do Quitexe, sendo os seguintes os seus administradores:

 

Rodrigo José Baião (vindo de Chefe do Posto de 31 de Janeiro)

 

Meneses e Pereira

 

João Nunes de Matos, casado com Palmira Barreiros

 

Raul Teixeira, interino, casado com Leopoldina

 

Octávio Pimental Teixeira, filho do farmacêutico Pimentel Teixeira de Moçamedes

 

Galina, interino

 

 

Médicos

 

Até 75 apenas houve dois médicos permanentes, mas a exercerem particularmente:

 

Antes de 61 : Almeida Santos

Anos depois de 61: Joaquim Martins Correia

 

 

Enfermeiros

Monteiro

 

Sousa

 

Mário Alves

publicado por Quimbanze às 08:11

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Relação dos civis mortos na área do Posto do Quitexe desde 1961 até 75

Esta lista foi feita de memória por Alfredo Baeta Garcia. É possível que contenha erros e imprecisões. Agradeço que me comuniquem qualquer erro ou omissão encontrados, pois serão involuntários.

 

a) Mortos no dia 15 de Março de 1961 pela UPA:

 

 

Na vila do Quitexe:

 

        

         1 – Mulher do Faísca (José Albuquerque), ex-ciclista e empregado do Celestino Guerra (ver  aqui )

 

         2 – Mário Trangalho e sua mulher Ilda; comerciante

 

         1 – Filho de José Guerreiro (comerciante), criança

 

         2 – Maria Guerreiro, padeira e seu filho

 

2 – Casal Guerra – António Inocêncio Pereira (faleceria já em Luanda) e sua esposa Joaquina (Pais da família Guerra – Helena, Celestino, José, Jaime, Henrique e Augusto)

 

4 – Corrente, amanuense do Posto; sua mulher e dois filhos

 

 

Na sua fazenda, na zona do Ambuíla:

 

         1 – José Poço, agricultor

 

Na Lagoa do Feitiço, perto do Dambe:

 

1 – Homem, novo na terra, natural de Vila de Rei (estivera antes em Porto Alexandre)

 

Em Zalala:

 

         3 – Esposa do gerente de nome Cordeiro; Lídia Esteves, mulher de José Esteves e sua filha

 

Neste mesmo dia foram mortos, em várias fazendas da área algumas dezenas de trabalhadores contratados do Sul, genericamente chamados Bailundos e muitos outros desaparecidos dos quais nunca se soube o paradeiro.

 

b) Mortos depois do dia 15 de Março, até ao fim da guerra na área que pertenceu aproximadamente ao antigo Posto do Quitexe, e não a todo o seu concelho que a partir de certa altura se chamou Dange:

 

b.1) Mortos pela Pide / civis:

 

 

Vila

4 – Cansenza, soba do Zenza-Camuti;

 Bombeiro da Móbil e empregado de Romão & Garcia;

 Irmão do Tico cozinheiro;

Quintas, pedreiro, também empregado de Romão & Garcia;

 

Uíge?

6 –Presos e feitos desaparecer pela Pide (provavelmente no Uíge):

Cardoso, assimilado do Ambuíla;

Ambrósio do Quitoque;

 Diniz Dombe do Talabanza;

Joaquim Zangue do Quimassabi;

 Raul, forneiro do Quimassabi;

 João Landa do Talabanza

 

Nota : A relação de mortos nestes dois últimos locais não é exaustiva

Ambuíla               

1 – Velho Cussecala, louco que ficou abandonado na sanzala, morto por militares /civis

Matos Vaz

                            1 – Garcia Panzo, sapateiro, morto pela Pide

 

b.2) Mortos pela UPA / FNLA

Vila

                          4 - Empregado do Laurindo Ribeiro, sua mulher

                               e dois filhos, a 10 de Abril de 61 no segundo

                              e último ataque da UPA ao Quitexe

 

Quimbanze           3 – Homem mestiço e dois capatazes

                           1 – Amado, cerâmico, sócio do Ilídio Alves

S. João

                            1 – João Alves, agricultor, poucos dias antes de

                            acabar a guerra

 

Subida do Bumbe

2 - Madame Ruth, assim era conhecida, e um motorista branco do qual ninguém soube o nome

 

Mungage

2 – Baptista de Cariambe e um companheiro de Luanda, nesse tempo industriais de vassouras que iam buscar uma carrada de paus para as ditas.

 

Quinuma

                            1 – José Melgueira, mecânico com oficina no

                            Quitexe

Rio Duizo

                            Nicodemos, açoreano, empregado do Madeira

                            & Marques

 

Sta. Isabel- Albuquerque

 

                            1 – Encarregado, parece que natural de

                            Coimbra

Pingano

3 – Rui Pombo, agricultor; Manuel Panzo, capataz e Sebastião, enfermeiro

 

Hamba

2 – José Guerra, agricultor e Ramalho, seu empregado, no terreiro pelas 18 horas

 

Dambe

                            2 – Polícias que iam na escolta do administrador

 

 

Nota : esta relação não abarca os militares portugueses nem os guerrilheiros da UPA / FNLA mortos, nomeadamente no segundo e último ataque ao Quitexe em 10 de Abril de 61. Desconhecem-se, também, os mortos nas matas, durante a guerra

 

 

c) Depois de 1974

 

 

Vila

1 – Filho do Quigingo Panzo, de nome Swing, morto pela FNLA

 

                            1 – Domingos, sapateiro e sipaio do Tabi, morto pelo MPLA

 

Infelizmente a tragédia não acaba aqui. Prolongou-se até ao novo milénio num contínuo de horrores, mortes e destruição.

.

.

Durante a guerra de 14 anos as paredes da igreja transformaram-se num memorial com placas alusivas a todos os brancos que durante esses anos perderam a vida na área do posto administrativo do Quitexe, agora sede do Concelho do Dange.

publicado por Quimbanze às 08:09

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